Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não sei ter pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.
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(de Poemas Inconjuntos/Alberto Caeiro)
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Sempre que penso uma coisa, traio-a.
Só tendo-a diante de mim devo pensar nela.
Não pensando, mas vendo,
Não com o pensamento, mas com os olhos.
Uma coisa que é visível existe para se ver,
E o que existe para os olhos não tem que existir para o pensamento;
Só existe verdadeiramente para o pensamento e não para os olhos.
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Olho, e as coisas existem.
Penso e existo só eu.
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(de Poemas Inconjuntos/Alberto Caeiro)
8 comentários:
Maria Josefa,
é sempre um prazer ler os poemas que nos oferece; e este "não tenho pressa" é fabuloso.
um abraço
Maria Josefa,
dicotomia realidade/pensamento, um "must" do Pessoa.
De resto, é Alberto Caeiro...
Como sempre magnífico.
Um abraço.
Muito obrigada, Paulo.
Achei que ambos os poemas se complementavam sobre o pensamento e a realidade e, por isso, os publiquei em simultâneo.
Um abraço e Boas Festas :)
Por isso é que publiquei estes dois em simultâneo, Miguel, para realçar ainda mais essa dicotomia.
Muito obrigada.
Um abraço e Boas Festas :)
PS: não sei se viu um pouco mais abaixo o postal de "Boas Festas Pessoanas", e que achei interessante por causa do nosso Clube.
Se aceitarmos como dicotomia Realidade / Pensamento, então só nos resta assumir que só existe pensamento ou a fé que nele existe.
Como diria Bernardo Soares: "A neio caminho entre a fé e a crítica está a estalagem da razão. A razão é a fé no que se pode compreender sem fé; mas é fé ainda, porque compreender envolve pressupor que há qualquer coisa compreensível".
Por isso prefiro falar em dualidade: relação (e não oposição)entre o que seja que existe e o pensamento, que também existe.
A.C.Valera, em termos gerais e filosóficos falamos em dualidade (relação) e não em dicotomia entre Realidade/Pensamento. No entanto o heterónimo sensitivo Alberto Caeiro faz ele mesmo essa distinção nos poemas que publiquei. E em cada texto dos heterónimos de Pessoa que publico, tenho sempre em conta a peculiaridade de cada um, procurando não os confundir com o ortónimo Fernando Pessoa.
Quanto ao tema: fé e razão, de que transcreveu umas frases de Bernardo Soares, já estamos num semi-heterónimo de Pessoa diferente de Caeiro.
Sobre a fé na razão e a razão na fé, podia discorrer sobre o assunto, que também é da Filosofia, mas ficava aqui toda a noite e são horas de descansar.
Muito obrigada pela visita e pelos argumentos que trouxe, pois ajudaram a clarificar a questão.
Um abraço.
Em 2010 o espólio de Pessoa vai estar todo em formato digital online!
Mas que boa notícia! Muito obrigada e já agora desejo-lhe um excelente 2010.
Abraço.
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