segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Quem somos e o que queremos?

O que se convencionou designar por "características dos portugueses" (a inveja destrutiva, a mesquinhez, a desconfiança, a aversão à mudança, ao planeamento e ao rigor, a esperteza saloia, o preconceito, a ausência de iniciativa, o fatalismo, a autocomiseração, o provincianismo, etc.) estarão impressas no nosso código genético? Ou não passarão de falhas no nosso carácter originadas pelo modo como fomos "educados" ao longo dos séculos, e que podem ser alteradas?
Vejamos o que disse Antero de Quental numa conferência, em 1871, publicada no livro Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, pela Ulmeiro, 1982, 4ª edição, colecção Oitocentos anos de História:
Na página 27 podemos ler:
"A Europa culta engrandeceu-se, nobilitou-se, subiu sobretudo pela ciência. Foi sobretudo pela falta de ciência que nós descemos, que nos degradámos, que nos anulámos."
E nas páginas 66 e 67 lê-se:
"Fomos os Portugueses intolerantes e fanáticos dos séculos XVI, XVII e XVIII, somos agora os Portugueses indiferentes do século XIX. Por outro lado, se o poder absoluto da monarquia acabou, persiste a inércia política das populações, a necessidade (e o gosto talvez) de que as governem... Entre o senhor rei de então e os senhores influentes de hoje, não há tão grande diferença: para o povo é sempre a mesma servidão. Éramos mandados, somos agora governados: os dois termos quase que se equivalem. Se a velha monarquia desapareceu, conservou-se o velho espírito monárquico: é quanto basta para não estarmos muito melhor do que os nossos avós. Finalmente, do espírito guerreiro da nação conquistadora, herdámos um invencíval horror ao trabalho e um íntimo desprezo pela indústria. Os netos dos conquistadores de dois mundos podem, sem desonra, consumir no ócio o tempo e a fortuna, ou mendigar pelas secretarias um emprego: o que não podem, sem indignidade, é trabalhar! uma fábrica, uma oficina, uma exploração agrícola ou mineira, são coisas impróprias da nossa fidalguia. Por isso as melhores indústrias nacionais estão nas mãos dos estrangeiros, que com elas se enriquecem, e se riem das nossas pretensões. Contra o trabalho manual, sobretudo, é que é universal o preconceito: parece-nos um símbolo servil! Por ele sobem as classes democráticas em todo o mundo, e se engrandecem as nações; nós preferimos ser uma aristocracia de pobres ociosos, a ser uma democracia próspera de trabalhadores. É o fruto que colhemos duma educação secular de tradições guerreiras e enfáticas!
Dessa educação, que a nós mesmos demos durante três séculos, provêm todos os nossos males presentes. As raízes do passado rebentam por todos os lados no nosso solo: rebentam sob a forma de sentimentos, de hábitos, de preconceitos. Gememos sob o peso dos erros históricos. A nossa fatalidade é a nossa história.
Que é pois necessário para readquirirmos o nosso lugar na civilização? para entramos outra vez na comunhão da Europa culta? É necessário um esforço viril, um esforço supremo: quebrar resolutamente com o passado. Respeitemos a memória dos nossos avós, memoriemos piedosamente os actos deles, mas não os imitemos.... A esse espírito mortal oponhamos francamente o espírito moderno....."
Agora, em 2008, 137 anos depois de Antero ter proferido esta palestra, que já englobava 300 anos de História, olhemo-nos ao espelho e tentemos ver se, e em que, mudámos entretanto. Para nos ajudar a ver a imagem com maior nitidez podemos socorrer-nos dos diversos debates radiofónicos que se fazem diariamente e em que os ouvintes opinam sobre temas propostos. Mudámos, ou mantivemos os traços psicológicos? Apesar do progresso tecnológico, continuamos ou não de braço dado com a mediocridade e a ignorância?
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