terça-feira, 30 de novembro de 2010

Fernando Pessoa - 75.º aniversário da sua morte (homenagem)

A minha homenagem de hoje, a Fernando Pessoa, não será feita através de um poema ou de qualquer outro texto dele ou dos seus heterónimos ou do semi-heterónimo Bernardo Soares, que poderão ser lidos em qualquer dos blogues dada a atenção que me têm merecido, mas através de um fado cantado por Ana Moura, e cujo vídeo tenta retratar uma viagem imaginária de Fernando Pessoa desde o Chiado, em Lisboa, até à cidade de Nova Iorque, e daí o seu título: Fernando Pessoa @ NY (en)cantado por Ana Moura. Espero que constitua uma bela surpresa para os apreciadores de Pessoa, quanto o foi para mim.



Quadro de Fernando Pessoa por João Ricardo

"Fado de Pessoa":
Letra de João Pedro Pais
Álbum de Ana Moura - "Aconteceu" (2004)
Vídeo produzido por Ricardo Cobra em 2007

Fernando Pessoa (13/06/1888 - 30/11/1935)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

2.º Congresso Internacional Fernando Pessoa e Revista PESSOA

Eduardo Lourenço, Teresa Rita Lopes, Caetano Veloso e João Botelho são alguns dos colaboradores do primeiro número da revista PESSOA, a ser lançada no 2.º Congresso Internacional Fernando Pessoa, no Teatro Aberto, em Lisboa, entre 23 e 25 de Novembro. A edição bilingue e trimestral promete dar lugar ao ensaio e à poesia. De acordo com a Directora da Casa Fernando Pessoa, “falta a Portugal uma revista de ensaio, que exceda os compartimentos da indagação literária – ensaio é experimentação, risco, excesso. A obra de Fernando Pessoa é isso: uma obra contaminada e contaminável, sem medo de cruzar e misturar fronteiras. Esta revista procura cumprir o desígnio desbravador dessa obra”. Aos ensaios publicados neste primeiro número da revista PESSOA junta-se um conjunto de poemas inéditos de Ana Luísa Amaral e Maria Lúcia Dal Farra, bem como portefólios de José David, Jorge Colombo e Graça Morais. Destaque ainda para a divulgação do Filme do Desassossego de João Botelho, e da Biblioteca Particular de Fernando Pessoa, agora também online pela mão de Jerónimo Pizarro, Patrício Ferrari e Antonio Cardiello. A nova edição da Casa Fernando Pessoa conta ainda, no Conselho Editorial, com Fernando Cabral Martins, Fernando J. B. Martinho, Perfecto E. Cuadrado ou Richard Zenith, entre outros. Uma revista que é também, garante Inês Pedrosa, um “convite ao Desassossego”.
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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Carlos Seixas - Concerto para cravo e cordas em Lá Maior, I, Allegro


Do mesmo modo que não há machado que corte a raiz ao pensamento, nada nos impede de ver imagens lindíssimas de algumas zonas afectadas pela Cimeira da Nato, em Lisboa, ao som da música, ainda mais bela, de Carlos Seixas, e apreciar  o contraste: barroco (música) / moderno (arquitectura). 


terça-feira, 16 de novembro de 2010

José Saramago - 88.º aniversário de nascimento (homenagem através de excerto de O Evangelho segundo Jesus Cristo)

«Disse Deus, Haverá uma Igreja, que, como sabes, quer dizer assembleia, uma sociedade religiosa que tu fundarás, ou em teu nome será fundada, o que é mais ou menos o mesmo se nos ativermos ao que importa, e essa Igreja espalhar-se-á pelo mundo até a confins que ainda estão por conhecer, chamar-se-á católica porque será universal, o que, infelizmente, não evitará desavenças e dissensões entre os que te terão como referência espiritual, mais, como já te disse, do que a mim próprio, mas isso será apenas por algum tempo, só uns milhares de anos, porque eu já era antes que tu fosses e sempre o hei-de ser depois que tu deixes de ser o que és e o que serás, Fala claro, interrompeu Jesus, Não é possível, disse Deus, as palavras dos homens são como sombras, e as sombras nunca saberiam explicar a luz, entre elas e a luz está e interpõe-se o corpo opaco que as faz nascer, Perguntei-te pelo futuro, É do futuro que estou a falar, O que quero que me digas é como viverão os homens que depois de mim vierem, Referes-te aos que te seguirem, Sim, se serão mais felizes, Mais felizes, o que se chama felizes não direi, mas terão a esperança duma felicidade lá no céu onde eu eternamente vivo, portanto a esperança de viverem eternamente comigo, Nada mais, Parece-te pouco, viver com Deus, Pouco, muito ou tudo, só se virá a saber depois do juízo final, quando julgares os homens pelo bem e mal que tiverem feito, por enquanto vives sozinho no céu, Tenho os meus anjos e os meus arcanjos, Faltam-te os homens, Pois faltam, e para que eles venham a mim é que tu serás crucificado, Quero saber mais, disse Jesus quase com violência, como se quisesse afastar a imagem que de si mesmo se lhe representara, suspenso de uma cruz, ensanguentado, morto, Quero saber como chegarão as pessoas a crer em mim e a seguir-me, não me digas que será suficiente o que eu lhes disser, não me digas que bastará o que em meu nome disserem depois de mim os que em mim já creiam, dou-te um exemplo, os gentios e os romanos, que têm outros deuses, quererás tu dizer-me que, sem mais nem menos, os trocarão por mim, Por ti não, por mim, Por ti ou por mim, tu próprio dizes que é o mesmo, não joguemos com as palavras, responde à minha pergunta, Quem tiver a fé virá a nós, Assim, sem mais nada, tão simplesmente como acabas de o dizer, Os outros deuses resistirão, E tu lutarás contra eles, por certo, Que disparate, tudo quanto acontece, é na terra que acontece, o céu é eterno e pacífico, o destino dos homens cumprem-no os homens onde estiverem, Dizendo as coisas por claro, mesmo sendo as palavras sombras, vão morrer homens por ti e por mim, Os homens sempre morreram pelos deuses, até por falsos e mentirosos deuses, Podem os deuses mentir, Eles podem, E tu és, de todos, o único e verdadeiro, Único e verdadeiro, sim, E, sendo verdadeiro e único, nem por isso podes evitar que os homens morram por ti, eles que deviam ter nascido para viver para ti, na terra, quero dizer, não no céu, onde não terás, para lhes dar, nenhuma das alegrias da vida. […]»

O Evangelho segundo Jesus Cristo, Editorial Caminho, Lisboa, 1991, pp. 379/80

José Saramago (16/11/1922 - 18/06/2010)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Eugénio de Andrade - "Adeus"


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
 
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
 
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade (1923-2005)


domingo, 7 de novembro de 2010

Albert Camus - 97.º aniversário de nascimento (homenagem)

Para esta simples homenagem a Albert Camus escolhi um excerto do livro O Mito de Sísifo, e do capítulo As Paredes Absurdas: «O sentimento do absurdo pode esbofetear qualquer homem à esquina de qualquer rua. Em si mesmo, na sua nudez desoladora, na sua luz sem esplendor, é inapreensível. Mas até essa dificuldade merece reflexão. É provavelmente verdade que um homem nos fica sempre desconhecido e que nele sempre subsiste qualquer coisa de irredutível que nos escapa. Mas praticamente conheço os homens e reconheço-os pela sua conduta, pelo conjunto dos seus actos, pelas consequências que a sua passagem suscita na vida. Da mesma maneira posso praticamente definir, praticamente apreciar todos esses sentimentos irracionais que a análise não consegue captar. Para tanto me basta reunir a soma das suas consequências na ordem da inteligência, surpreender-lhes e fixar-lhes a face, delimitar-lhes o universo. É certo que, aparentemente, lá por ter visto cem vezes o mesmo actor, nem por isso o conheço pessoalmente melhor. No entanto, se eu adicionar os heróis que ele encarnou e disser que o conheço um pouco mais por ocasião da centésima personagem recenseada, sente-se que há aqui uma parte de verdade. Porque este paradoxo aparente é também um apólogo. Tem uma moralidade. Ensina que um homem se define tão bem através das suas comédias como através dos seus impulsos sinceros. Assim acontece, um tom abaixo, com os sentimentos, inacessíveis no coração, mas parcialmente traídos pelos actos que eles animam e pelas atitudes de espírito que pressupõem. Vê-se bem que defino assim um método. Mas vê-se também que esse método é de análise e não de conhecimento. Porque os métodos implicam metafísicas, atraiçoam, sem se darem conta disso, as conclusões que por vezes pretendem não conhecer ainda. Assim, as últimas páginas de um livro já estão nas primeiras. Esta ligação é inevitável. O método aqui definido confessa o sentimento de que todo o verdadeiro conhecimento é impossível. Só as aparências podem enumerar-se e o clima fazer-se sentir.

Esse inacessível sentimento do absurdo, talvez o possamos então atingir em mundos diferentes, mas fraternais, da inteligência, da arte de viver, ou simplesmente da arte. O clima do absurdo está no início. O fim é o universo absurdo e essa atitude de espírito que ilumina o mundo a uma luz que lhe é própria, a fim de fazer resplandecer o rosto privilegiado e implacável que esta lhe sabe reconhecer.»

 

O Mito de Sísifo, Livros do Brasil, Lisboa, 1983, pp. 22/24

 

Albert Camus 07/11/1913 - 04/01/1960
Prémio Nobel da Literatura em 1957

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Fernando Pessoa / Ricardo Reis - "Cada um cumpre o destino que lhe cumpre"

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre,
Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.
Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.

Odes / Ricardo Reis