sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Maria Teresa Horta - Tempos ruins


Eu não descuro
recuso
censores e carcereiros
inquisidores e profetas

Que vaticinam desgraças
abrem veias
cortam versos

Trancam celas
espalham sombras
fecham postigos, janelas

Mandam pôr muros e grades
trazem presságios ruins
torturas, dores e vilezas
alcateias e mastins

Eu não descuro
procuro
a esperança acalentada
sonhada na desmesura

Entre ruínas passadas
sevícias, medos
torpezas

A poesia
e a beleza
A liberdade exaltada.
Maria Teresa Horta

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Eugénio de Andrade: "As amoras" e "Frésias"

O meu país sabe às amoras bravas
no Verão.
Ninguém ignora que não é grande, 
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Frésias

Uma pátria tem algum sentido
quando é a boca
que nos beija a falar dela,
a trazer nas suas sílabas
o trigo, as cigarras,
a vibração
da alma ou do corpo ou do ar,
ou a luz que irrompe pela casa
com as frésias
e torna, amigo, o coração tão leve.

Eugénio de Andrade (1923-2005)

domingo, 12 de agosto de 2012

Fernando Namora - "Raro e vazio dia"


Raro e vazio dia.
Calmo e velho dia.
Os membros lassos debruados deste cansaço sem porquê.

Raro e vazio dia,
assim inteiro e implacável
na solidão grave e trágica do meu quarto nu.

Perdido, perdido, este vagabundear dos meus olhos
sobre os livros fechados e decorados,
sobre as árvores roídas,
sobre as coisas quietas, quietas...
Raro e vazio dia
na minha boca pálida e pouca,
sem uma praga para quebrar a magia do ópio!

Fernando Namora (1919 – 1989)