sábado, 30 de maio de 2009

"Olhares Europeus sobre Fernando Pessoa" - Seminário Internacional

Na próxima terça-feira, 2 de Junho, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sala 5.2, realiza-se o Seminário Internacional "Olhares Europeus sobre Fernando Pessoa", que visa tornar público o trabalho de vários jovens investigadores europeus, na sua maioria preparando em Portugal teses de doutoramento sobre Pessoa, no domínio da Filosofia.
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Programa:
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14.00 - Julia Alonso Dieguez (Espanha) - Fernando Pessoa: Un Pensamiento de la Nada.
14.30 - Fabrizio Boscaglia (Itália) - Poesia e Alma. Diálogo imaginário entre Bernardo Soares e James Hillman.
15.00 - Dirk Hennrich (Alemanha) - Ultimatos à Metafísica. Considerações sobre Immanuel Kant e Fernando Pessoa.
15.30 - 15.45 - Intervalo
15.45 - Antonio Cardiello (Itália) - Biblioteca e marginalia. Pessoa leitor de Jules de Gaultier: De Kant a Nietzsche (1910).
16.15 - Dagmara Kraus (Alemanha) - L'Idolâtrie du virtuel: nostalgia and regret in Cioran's works.
16.45 - Conclusão
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Organização e moderação: Paulo Borges, pauloaeborges@gmail.com / 918113021.
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Entrada livre.

sábado, 23 de maio de 2009

Direito e Avesso - livro?

Os que chegam a este blogue em resultado de pesquisa sobre um livro com o mesmo nome, é provável que procurem, na realidade, um livro de Albert Camus com o título "O Avesso e o Direito, seguido de Discursos da Suécia" (título original: L'Envers et L'Endroit et Discours de Suède).
Poderei acrescentar que os ensaios reunidos neste livro foram escritos quando Albert Camus tinha vinte e dois anos (1936). Quanto aos Discursos da Suécia, englobam o discurso proferido quando recebeu o prémio Nobel da Literatura e conferências enquanto esteve na Suécia, em 1957.
Boas leituras.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Bernard-Henri Lévy - Apartheid dourado para os velhos?

«Em Sun City, Arizona, a regra é simples e implacável. Ninguém abaixo dos 55 anos. Crianças e adolescentes só admitidos em caso de visita. Uma cidade de velhos, por conseguinte. Uma cidade privada, reservada aos reformados, cortada do resto do mundo tanto por esta regra de ferro como por um muro, verdadeiro, com postos de controlo, que o separam dos bairros hispânicos vizinhos. Um optimista verá, neste falso espaço urbano, com ruas traçadas em linha recta, quase desertas, onde raros avôzinhos circulam em carrinhos de golfe, um oásis de prosperidade num mundo em crise, uma utopia burguesa saída do sonho do urbanista. Reconhecerá aqui uma variante bizarra, mas uma variante na mesma, do bom "pastoralismo", herdado da escola de arquitectura paisagística inglesa do século XVIII e que desempenhou um enorme papel na constituição da ideologia americana. Verá aí um cruzamento, nada desonroso em si, do espírito de Virgílio e do das Luzes, dos sonhos de regresso à natureza que datam dos primeiros peregrinos e do progressismo de vivendas de que vi, em Lakewood, perto de Los Angeles, o género de paisagem que pode dar e em que tipo de filosofia, igualitária e pioneira, se apoia. A "auto-suficiência" de Emerson, em fundo de velhice sujeita a gueto. O "Walden Pond" de Thoreau, versão fortaleza assediada. Nas cidades planificadas deste tipo, nestas cidadelas saídas do nada e, neste caso, do deserto, talvez um optimista vislumbre uma metamorfose, em pleno século XXI, desse espírito pioneiro, dessa capacidade de "se constituir", por "consentimento mútuo e solene", num "corpo da sociedade política" de que Tocqueville, nas primeiras páginas do seu livro, quando evoca, citando Nathaniel Morton, a criação de Plymouth e das primeiras colónias da Nova Inglaterra, faz a própria essência do projecto democrático. E confesso, entre parênteses, não ter achado completamente ridículo, na noite da minha chegada, o pequeno baile organizado, no Westerners Square Dance Club de Sun City West, por alguns dos colonos do terceiro tipo e da quarta idade - confesso ter encontrado um certo encanto no espectáculo destas quinze ou vinte senhoras, armadas em Scarlett O'Hara, todas com folhos, tutus e vestidos engraçados, a dançarem até perder o fôlego ao som de uma orquestra de bailarico, com os Rhett Butler, o mais novo dos quais tinha 80 anos! O problema, evidentemente, é o resto. Todo o resto. São os blacks, que não se vêem. Os hispânicos que me garantem estarem lá, mas dos quais também não sinto a presença. São os pobres em geral, os grandes excluídos deste sonho de vivendas e incorporated, no sentido literal constituído em corpo, autónomo, logo, autogerido, cuja primeira regra de gestão é só aceitar os casais que provem que têm um capital suficiente para poderem viver até aos cem anos - oficialmente, o objectivo do jogo! - sem risco de cessação de pagamento, logo, de expulsão. O problema é, de facto, o sentimento de ter chegado aqui, com esta tribo de velhos, à derradeira etapa de um processo de segregação social, de que pude, em Los Angeles, observar algumas premissas e que, não conseguindo, afinal, nem manter os pobres nos seus guetos, nem empurrá-los para a periferia da cidade, não conseguindo decidir, como se viu, mais uma vez, em Phoenix, envenenar os caixotes do lixo dos restaurantes para dissuadir os sem-abrigo de virem abastecer-se, ficaria resolvido, com uma guerra frouxa, com a deslocação dos ricos. O problema, em suma, é que isso supõe uma ruptura profunda com a tradição, já não digo de compaixão, mas de civismo, que fez e ainda faz a grandeza deste país. E é o terrível precedente que não pode deixar de criar esta experiência de privatização de um espaço público a favor de uma comunidade que, não dependendo já de Phoenix nem de nenhuma outra autoridade estatal e nacional (o "state-nation", o "station", odiado por Emerson) para os seus impostos, a sua rede viária, as suas tarefas de policiamento ou de administração, parece um pequeno satélite liberto das leis do peso social e nacional. Se aceitarmos isto, digo eu a uma das minhas Scarlett, se não ratificarmos o princípio deste gueto dourado, baseado na pertença a uma classe etária e num nível de rendimentos, em nome de quê iríamos impedir amanhã, a constituição de cidades interditas, desta vez, aos velhos? Ou aos homossexuais? Ou aos judeus? Em nome de quê iríamos resistir à balcanização definitiva do espaço americano que se seguiria? Nada a ver! Responde-me a majorette indignada. Não pode comparar projectos tão horrorosos com uma organização cuja única finalidade é facilitar a vida aos idosos que sufocavam nas grandes cidades. Seja. Vejo bem, com efeito, os pequenos arranjos que o sistema permite na vida de todos os dias: tomadas de corrente colocadas mais alto para evitar que tenham de se baixar muito; tectos com a luz estudada para cansar menos os olhos; campos de golfe; piscinas aquecidas tanto no Verão como no Inverno; sistemas de alarme que ligam a maior parte das casas ao hospital e permitem, em caso de doença, ganhar minutos preciosos que são, nesta idade, muitas vezes fatais - refiro apenas as coisas melhores e tudo isso não é, evidentemente, negligenciável. Mas, ao mesmo tempo... Esta impressão de frieza lúgubre... Estas lareiras artificiais nas casas e estas relvas que parecem de cartão... Esta vida plastificada... Estes moribundos que cheiram a saúde... Este tempo fingido, sem outros acontecimentos notáveis a não ser os bailes, a recolha do lixo que os próprios se obstinam a fazer, tal como as rondas de polícia e, last but not least, fontes de uma excitação incansável, os mortos, os enterros... Deixo Sun City num estado de incerteza extrema, já sem saber se vêm para aqui para se salvarem ou para se condenarem, conjurarem a morte, ou fazerem a prova. De regresso a Phoenix, fico a saber que Del Webb, o inventor deste milagre gelado, deste paraíso com ar de purgatório, deste infantário para a terceira idade onde a própria vida parece ter-se tornado uma doença, aprendeu o seu ofício a construir, depois da guerra, casinos, casernas e campos de internamento para japoneses...»
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in Bernard-Henri Lévy, Vertigem Americana, Caderno, Asa Editores, Lisboa, 1.ª edição, 2007, páginas 163/6.

sábado, 2 de maio de 2009

Miguel de Unamuno - "a dor como caminho para a consciência de si"

«A dor é o caminho da consciência, e é por ele que os seres vivos chegam a ter consciência de si. Porque ter consciência de si mesmo, ter personalidade, é saber e sentir-se distinto dos demais seres, e só se chega a sentir esta distinção pelo choque, pela dor maior ou menor, pela sensação do próprio limite. A consciência de si mesmo não passa da consciência da própria limitação. Sinto-me eu mesmo, ao sentir-me que não sou os outros; saber e sentir até onde sou eu, é saber onde deixo de ser, e a partir donde não sou.
E como saber que se existe, não sofrendo nem pouco nem muito? Como volver sobre si, lograr consciência reflexa, senão através da dor?
Quando gozamos, esquecemo-nos de nós próprios, de que existimos, passamos a outro, alienamo-nos. E só nos ensimesmamos, só voltamos a nós próprios, só voltamos a ser nós, pela dor.
Nessun maggior dolore
che ricordarsi del tempo felice
nella miseria
faz dizer Dante a Francesca de Rimini (Inferno, V, 121-123), mas se não há dor maior do que nos recordarmos do tempo feliz na desgraça, não há, em compensação, prazer, em nos recordarmos da desgraça nos tempos da prosperidade.
"A mais acerba dor para o homem é aspirar a muito e não poder ser nada", como diz, segundo Heródoto (liv. IX, cap. 16), um persa a um tebano, num banquete. E assim é. Podemos abarcar tudo ou quase tudo com o conhecimento e o desejo, nada ou quase nada com a vontade. E a felicidade não é a contemplação, não! se essa contemplação significa impotência. E deste choque entre o nosso saber e nosso poder surge a compaixão.
Compadecemo-nos do nosso semelhante, e tanto mais, quanto mais e melhor sentirmos a sua semelhança connosco. E se podemos dizer que é esta semelhança que provoca a nossa compaixão, podemos sustentar também que a nossa provisão de compaixão, pronta a derramar-se sobre todas as coisas, é que nos faz descobrir a semelhança das coisas connosco, o lago comum que nos une com ela, na dor.»
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in Do Sentimento Trágico da Vida, tradução Cruz Malpique, Relógio D'Água, Lisboa, 2007