sexta-feira, 13 de junho de 2008

Homenagem a Fernando Pessoa (13/06/1888-30/11/1935)


"LISBON REVISITED"
.
Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem
conquistas das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) -
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
.
Que mal fiz eu aos deuses todos?
.
Se têm a verdade, guardem-na!
.
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
.
Não me macem, por amor de Deus!
.
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
.
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
.
Ó céu azul - o mesmo da minha infância -,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
.
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
.

Álvaro de Campos - 1923
.
(in Fernando Pessoa, O Rosto e as Máscaras, Antologia organizada por David Mourão-Ferreira, Edições Ática, Lisboa, 2.ª edição, 1979)