terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Eugénio de Andrade - "A poesia não vai" (aniversário de nascimento do poeta)

A poesia não vai à missa,
não obedece ao sino da paróquia,
prefere atiçar os seus cães
às pernas de deus e dos cobradores
de impostos.
Língua de fogo do não,
caminho estreito
e surdo da abdicação, a poesia
é uma espécie de animal
no escuro recusando a mão
que o chama.
Animal solitário, às vezes
irónico, às vezes amável,
quase sempre paciente e sem piedade.
A poesia adora
andar descalça nas areias do Verão.
.
Eugénio de Andrade
.
Ainda bem que "a poesia adora andar descalça nas areias do Verão", porque hoje, dia em que o poeta completaria 87 anos se fosse vivo, continua a ser analisado pela presidência do Conselho de Ministros o pedido de extinção da Fundação Eugénio de Andrade, feito pelo conselho directivo da mesma e devido a dificuldades financeiras.
Mas como ainda não foi extinta, a Fundação Eugénio de Andrade organizou para hoje, às 18.30h, na sua sede no Porto, Rua do Passeio Alegre, um debate sobre poesia portuguesa, com intervenções iniciais de Rosa Alice Branco e Rui Lage. A entrada é livre.

9 comentários:

Miguel Gomes Coelho disse...

Ana Paula,
Esperemos que a situação se resolva de forma positiva, caso contrário a memória de Eugénio de Andrade ficará mais pobre e ele não o merece.Claro que se pode argumentar que a memória do poeta é a sua obra e é verdade; mas o seu espaço e a sua recordação também fazem parte do seu universo.
E, bolas! Há para aí tanta fundação onde se derrete dinheiro e para esta não se arranjarão uma meia dúzia de tostões ? E no Porto ou fora dele não haverá um resquício de mecenato para manter viva essa memória ?
Quanto ao poema é lindo como todos.
Um abraço.

Paulo Lobato disse...

Maria Josefa, quem me dera gozar dessa liberdade; que inveja tenho dos que vagueiam descalços na areia da praia.
um abraço

Eduardo Miguel Pereira disse...

O que eu anseio por esse verão, para também eu poder andar descalço nessas areias.

Há de chegar o dia ... há de chegar !

Mar Arável disse...

Eugénio é referencia nacional

se o Porto tiver dificuldades

que acorde o país

analima disse...

Recordar um aniversário é sempre um bom pretexto para nos lembrarmos de um poeta como Eugénio de Andrade. E, neste caso, para não nos esquecermos do que é a poesia.
Um beijinho

Maria Josefa Paias disse...

Miguel, Paulo, Eduardo, Mar Arável e Analima, muito obrigada pelos vossos comentários.
Escolhi este poema porque, dadas as circunstâncias da Fundação, a frase "A poesia adora andar descalça nas areias do Verão" deu-me a noção de que a poesia não quer espartilhos, muito menos institucionais. Ela quer andar por aí, livre, solta, de boca em boca, de coração em coração, dita ou lida, magnífica como a de Eugénio de Andrade.
Abraços e beijinhos.

partilha de silêncios disse...

Josefa, obrigada por lembrar o aniversário do nosso grande poeta.Desejo que as dificuldades sejam ultrapassadas, que a Fundação não seja extinta e que a poesia continue a andar descalça nas areias do verão.
um beijo

Ana Paula Sena disse...

Olá, Josefa :)

É belíssima a frase com a qual termina o poema! Cheia de um conteúdo incisivo também, já que a poesia está quase sempre descalça face a tanto mais que se considera rentável.
Por isso, concordo consigo: "ainda bem que a poesia gosta...". Ela é livre, acima de tudo.

Beijinhos. E muito obrigada pelo excelente poema.

Maria Josefa Paias disse...

partilha de silêncios e Ana Paula, obrigada pelos vossos comentários e por terem gostado do poema que escolhi para esta homenagem a Eugénio de Andrade e à poesia.
Beijinhos.