quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Natália Correia - Uma laranja para Alberto Caeiro

Venho simplesmente dizer
que uma laranja é uma laranja
e comove saber que não é ave

Se o fosse não seriam ambas
uma só coisa volátil e doce
de que a ave é o impulso de partir
e a laranja o instinto de ficar.

Não sei de nada mais eterno
do que haver sempre uma só coisa
e ela ser muitas e diferentes
e cada coisa ternamente ocupar
só o espaço que pode rodeada
pelo espaço que a pode rodear.

Sei que depois da laranja
a laranja poderá ser até
mesmo laranja se necessária
mas cada vez que o for
sê-lo-à rigorosamente
como se de laranja fosse
a exacta fome inadiável.

De ser laranja gomo a gomo
o íntimo pomo se enternece
e não cabe em si de amor
embriagada de saber
que a sua morte nos será doce.

Natália Correia

Em Poesia Completa, Dom Quixote, Lisboa, 1999

2 comentários:

Mar Arável disse...

A nossa

Natália

ao vivo sempre

Branca disse...

Fantástica Natália Correia, uma poetisa genial, como demonstra este poema e uma mulher de muita força, muita humanidade e muita luta.

Bem hajas.
Beijos