quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Fernando Pessoa - "Catolicismo e comunismo"

«Ao contrário do catolicismo, o comunismo não tem uma doutrina. Enganam-se os que supõem que ele a tem. O catolicismo é um sistema dogmático perfeitamente definido e compreensível, quer teologicamente, quer sociologicamente. O comunismo não é um sistema: é um dogmatismo sem sistema - o dogmatismo informe da brutalidade e da dissolução. Se o que há de lixo moral e mental em todos os cérebros pudesse ser varrido e reunido, e com ele se formar uma figura gigantesca, tal seria a figura do comunismo, inimigo supremo da liberdade e da humanidade, como o é tudo quanto dorme nos baixos instintos que se escondem em cada um de nós.
O comunismo não é uma doutrina porque é uma antidoutrina, ou uma contradoutrina. Tudo quanto o homem tem conquistado, até hoje, de espiritualidade moral e mental - isto é de civilização e de cultura -, tudo isso ele inverte para formar a doutrina que não tem.»
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de Ideias Filosóficas/Fernando Pessoa

4 comentários:

Miguel Gomes Coelho disse...

Maria Josefa,
Eis um texto de análise de conceitos mas simultâneamente previsional.
Quando Pessoa o escreveu a Revolução de Outubro ainda não tinha chegado à vintena de anos.
Daí que, tão pouco, tivesse conhecimento da evolução política e filosófica por que passou o movimento comunista internacional.
Contudo, na realidade, antecipa juizos que se vieram a justificar-se, muito embora, e por outro lado, desconhecesse factores, também, positivos que se vieram a revelar posteriormente.
Também é claro que, um individualista como Pessoa, incapaz de submeter a ditâmes por outros enunciados, verberasse, desde logo, e por isso falei em previsional, um sistema que se baseava no espartilhamento do individual, fosse qual fosse a função ou o desígnio, em contraposição com o chamado "interesse geral".
Começa bem o Ano !
Logo com um texto destes. Que virá aí por diante ?...
Um abraço.

MC disse...

Olá Josefa,
Pessoa foi profético relativamente ao comunismo? Pois foi, pela evolução que o mesmo teve...
Pessoa, preferencialmente seria monárquico, liberal conservador (a educação inglesa, teve importância), nacionalista...estou com ele nos três combates que considerava essencias: á ignorância, ao fanatismo e à tirania.
Digo-me de esquerda, assim uma esquerda humanista, porque sempre pensei, que foi através das lutas da esquerda, que a condição do homem na sociedade foi melhorando.
Pessoa, parece-me que se interessou mais pela política a nível interno, de acordo com o seu tempo, hoje a política extravassa fronteiras, tem outras perspectivas.
O anacronismo parece-me evidente, mesmo dizendo o que diz do comunismo,o mesmo seduziu muita gente que sofreu os horrores da guerra e que acreditou que pudesse ser um caminho de mudança!...
Bj

Maria Josefa Paias disse...

Obrigada Miguel, pela sua interessantíssima e esclarecida análise.
Não fique com muitas expectativas sobre os textos para este novo ano e nem me coloque essa responsabilidade sobre os ombros, porque os meus neuroniozinhos continuam a pedir-me o descanso que eu não lhes dou, e a única cedência que tenho feito é dar-lhes música :))
Um abraço e obrigada pela gentileza.

Maria Josefa Paias disse...

Manu,
Obrigada por lembrar essas 3 realidades a que Pessoa se opunha: a ignorância, o fanatismo e a tirania, pois são os mesmos que motivam os combates que travamos hoje, e a nível mundial.
O anacronismo coloca-se se nos esquecermos que Pessoa morreu em 1935.
Beijinho.