sábado, 28 de junho de 2008

Não ter passado retira de antemão ao Futuro o seu peso de surpresa e, mesmo, qualquer significação.
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Eduardo Lourenço, Nós como Futuro, Assírio e Alvim, 1997, p.11

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Homenagem a Fernando Pessoa (13/06/1888-30/11/1935)


"LISBON REVISITED"
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Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
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Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
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Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem
conquistas das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) -
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
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Que mal fiz eu aos deuses todos?
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Se têm a verdade, guardem-na!
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Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
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Não me macem, por amor de Deus!
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Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
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Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
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Ó céu azul - o mesmo da minha infância -,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
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Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
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Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
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Álvaro de Campos - 1923
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(in Fernando Pessoa, O Rosto e as Máscaras, Antologia organizada por David Mourão-Ferreira, Edições Ática, Lisboa, 2.ª edição, 1979)