sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Nietzsche - o que é um filósofo?

"Um filósofo: é um homem que experimenta, vê, ouve, suspeita, espera e sonha constantemente coisas extraordinárias; que é atingido pelos próprios pensamentos como se eles viessem de fora, de cima e de baixo, como por uma espécie de acontecimentos e de faíscas de que só ele pode ser alvo; que é talvez, ele próprio, uma trovoada prenhe de relâmpagos novos; um homem fatal, em torno do qual sempre ribomba e rola e rebenta e se passam coisas inquietantes. Um filósofo: ah, um ser que foge muitas vezes para longe de si mesmo, muitas vezes tem medo de si mesmo - mas que é demasiado curioso para não «voltar sempre a si»."
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(Para Além do Bem e do Mal, Guimarães Ed., 1978, p. 214)

domingo, 23 de novembro de 2008

Homenagem a Lévi-Strauss e Merleau-Ponty

Festeja-se em França, no próximo dia 28 de Novembro, o centésimo aniversário de Claude Lévi-Strauss (1908- ), Antropólogo e Filósofo que encontramos inserido na corrente do Estruturalismo.
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Algumas das suas obras:
«As estruturas elementares do parentesco» (1947)
«Antropologia estrutural» (1958)
«Le totémisme aujourd'hui» (1962)
«O pensamento selvagem»
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Em 1908 nasceu também outro filósofo francês, inserido na corrente Existencialista, Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), uma das maiores personalidades do pós-guerra.
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As suas obras principais:
«A estrutura do comportamento» (1942)
«A fenomenologia da percepção» (1945)
Ensaios:
«Humanismo e terror» (1947)
«Senso e não senso" (1948)
«As aventuras da dialéctica» (1955)
«Signos» (1960)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Nietzsche - Máximas e Interlúdios

O sábio como astrónomo. - Enquanto sentires as estrelas como algo que está «por cima de ti», não possuis ainda o olhar de quem procura o conhecimento.

Não é a intensidade dos sentimentos elevados que faz os homens superiores, mas a sua duração.

Em tempo de paz, o homem belicoso ataca-se a si próprio.

Quem se despreza a si próprio, mesmo assim não deixa de se respeitar como desprezador.

Quem, em prol da sua boa reputação, não se sacrificou já uma vez - a si próprio?

Na bonomia nada há de misantropia, mas, precisamente por isso, demasiado desprezo pelo homem.

Maturidade do homem: isto significa ter-se reencontrado a seriedade que se tinha nas brincadeiras da infância.

Ter-se vergonha da sua imoralidade: é um degrau na escada em cujo extremo se tem também vergonha da sua moralidade.

Devemo-nos despedir da vida como Ulisses se despediu de Nausica - mais abençoando-a do que apaixonado por ela.

Quando adestramos a nossa consciência, ela beija-nos ao mesmo tempo que nos morde.

Perante nós mesmos, todos fingimos ser mais ingénuos do que somos: é deste modo que descansamos dos outros homens.

Graças à música, as paixões aprazem-se a si próprias.

Uma vez tomada a decisão de não dar ouvidos mesmo ao melhor contra-argumento: sinal de carácter forte. Por conseguinte, uma ocasional vontade de se ser estúpido.

Não há fenómenos morais, mas apenas uma interpretação moral de fenómenos...
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As grandes épocas da nossa vida são aquelas em que adquirimos a coragem de considerar como o melhor o que em nós há de mau.
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Há uma inocência na admiração: é a daquele a quem ainda não passou pela cabeça que também ele poderia, um dia, ser admirado.
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Em certas pessoas, o alegrar-se com um elogio é apenas delicadeza do coração - e precisamente o contrário de vaidade do espírito.
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Se temos que mudar de opinião a respeito de alguém, levamos-lhe muito a mal o incómodo que assim nos causa.
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Um povo é o rodeio da Natureza para chegar a seis ou sete grandes homens. - Sim, para depois se desviar deles.
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O Diabo tem as mais vastas perspectivas para Deus, por isso é que se mantém tão longe dele: o Diabo, ou seja o mais velho amigo do conhecimento.
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Começa-se a adivinhar o que vale alguém quando o seu talento começa a enfraquecer, quando deixa de mostrar do que é capaz. O talento também é um adorno; um adorno também é um esconderijo.
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É pelas próprias virtudes que se é mais bem castigado.
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O fariseísmo não é uma degenerescência do homem bom: pelo contrário, boa parte dele é mesmo a condição prévia para se ser bom.
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Um procura um parteiro para os seus pensamentos, o outro alguém a quem possa auxiliar: é assim que nasce uma boa conversa.
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No convívio com sábios e artistas, a gente facilmente se engana no sentido oposto: não é raro encontrarmos por detrás dum sábio notável um homem medíocre, e muitas vezes, por detrás dum artista medíocre, um homem muito notável.
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A nossa vaidade gostaria que o que fazemos melhor fosse considerado como aquilo que mais nos custa. Para a origem de certas morais.
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Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, se não transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para dentro de um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.
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Não basta ter-se talento: é preciso ter-se o vosso assentimento para o possuir - não é verdade, meus amigos?
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A loucura é rara nos indivíduos - mas é a regra nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas.
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Os poetas são impudicos para com as suas vivências: exploram-nas.
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«O nosso próximo não é o nosso vizinho, mas o vizinho deste» - assim pensam todos os povos.
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Em face de qualquer partido. - Um pastor precisa sempre também de um carneiro condutor, ou, em certas ocasiões, ele próprio tem de ser carneiro.
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Falar muito de si próprio pode ser também um meio de se esconder.
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Em última análise, amam-se os desejos, e não o objecto desses desejos.
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As consequências das nossas acções agarram-nos pelos cabelos, sem nada se importarem com o facto de, entretanto, nos termos «corrigido».
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Fiquei magoado, não por me teres mentido, mas por não poder voltar a acreditar-te.
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Há uma exuberância na bondade que parece ser maldade.
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«Ele desagrada-me.» - Porquê? - «Não estou à sua altura.» Jamais um homem respondeu assim?
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(in "Para Além do Bem e do Mal", Guimarães & C.ª Ed., Lisboa, 1978, págs.77/89)

sábado, 1 de novembro de 2008

A celebridade

«Às vezes, quando penso nos homens célebres sinto por eles toda a tristeza da celebridade.
A celebridade é um plebeismo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeismo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se de vidro as paredes da sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas mínimas acções - ridiculamente humanas às vezes - que ele quereria invisíveis, coa-as a lente da celebridade para espectaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade.
Depois, além dum plebeismo, a celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e as enfraquece. Um homem de génio desconhecido pode gozar a volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu génio; e pode, pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor medida, que é ele próprio. Mas, uma vez conhecido, não está mais na sua mão reverter à obscuridade. A celebridade é irreparável. Dela como do tempo, ninguém torna atrás ou se desdiz.
E é por isto que a celebridade é uma fraqueza também. Todo o homem que merece ser célebre sabe que não vale a pena sê-lo. Deixar-se ser célebre é uma fraqueza, uma concessão ao baixo instinto, feminino ou selvagem, de querer dar nas vistas e nos ouvidos.
Penso às vezes nisto coloridamente. E aquela frase de que "homem de génio desconhecido" é o mais belo de todos os destinos, torna-se-me inegável; parece-me que esse é não só o mais belo, mas o maior dos destinos.»
(...)
"Crónica", Fernando Pessoa, 1915