domingo, 29 de janeiro de 2012

Fernando Pessoa/ Ricardo Reis: "Não sei se é amor que tens, ou amor que finges"

Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.
Já que o não sou por tempo,
Seja eu jovem por erro.
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso.
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva
É verdadeira. Aceito,
Cerro os olhos: é bastante.
Que mais quero?

Fernando Pessoa/ Ricardo Reis - Odes

Händel: Cantata "Alpestre monte e solitaria selva" (HWV81)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

William Ernest Henley: Invictus

Out of the night that covers me
Black as the pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

William Ernest Henley (1849-1903)

Nota: Este é o poema que Nelson Mandela lia diariamente durante o seu cativeiro.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sophia de Mello Breyner Andresen: "Bebido o luar"

Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.

Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.

Por que jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Por que o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.


Sophia de Mello Breyner Andresen


segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Eugénio de Andrade - As palavras

São como cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?


Eugénio de Andrade

in Coração do Dia