quarta-feira, 22 de julho de 2009

Eugénio de Andrade - poesia


As Amoras

O meu país sabe às amoras bravas
no Verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

«»

Recomecemos então

Recomecemos então, as mãos
palma com palma.
Diz, não digas, a palavra.
As palavras terão sentido ainda?
Haverá outro Verão, outro mar
para as palavras?
Vão de vaga em vaga,
de vaga em vaga vão apagadas.
Seremos nós, tu e eu, as palavras?
Onde nos levam, neste crepúsculo,
assim palma com palma,
de mãos dadas?

«»

Não se aprende

Não se aprende grande coisa com a idade.
Talvez a ser mais simples,
a escrever com menos adjectivos.
Demoro-me a escutar um rumor.
Pode ser o prelúdio tímido ainda
do cantar de um pássaro, uma gota
de água na torneira mal fechada,
a anunciação do tão amado
aroma dos primeiros lilazes.
Seja o que for, é o que me retém
aqui, me sustenta, impede de ser
uma qualquer vibração da cal,
simples acorde solar, um nó
de luz negra prestes a explodir.
.
Eugénio de Andrade

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Rainer Maria Rilke - poesia

As cidades só pensam em si próprias
e arrasam tudo na sua corrida.
Despedaçam os animais como madeira oca
e consomem na tormenta povos inteiros.
.
E os seus homens, escravos das ciências,
perdem o equilíbrio e a medida,
e chamam progresso ao seu rasto de caracol;
a lentidão cede o passo à velocidade;
sentem e brilham como as prostitutas
e aturdem-se com ruídos de metais e vidros.
.
Como se uma miragem diariamente os ofuscasse,
eles já não conseguem ser eles próprios;
a força do dinheiro cresce e possui-os,
forte como vento do Leste, e eles são pequenos
e hesitantes e esperam do álcool
e do veneno dos fluidos humanos e animais
um ímpeto para os seus negócios efémeros.
.
E os teus pobres sofrem sob o seu jugo
e tudo o que vêem os oprime
e ardem gelados como em febre
e, expulsos de todas as casas,
andam pela noite como mortos estrangeiros;
carregados de toda a imundície do mundo,
são cuspidos como o que apodrece ao sol,-
por cada acaso, pela pintura das prostitutas,
por carros e lampiões insultados.
.
E se houver ainda uma voz para os defender,
faz que seja forte e persuasiva.
.
in "O LIvro da Pobreza e da Morte" (ou a 3.ª parte do Livro de Horas-1905)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

A. Schopenhauer - Fábula do porco-espinho

"Num frio dia de Inverno, alguns porcos-espinhos juntaram-se para se aquecerem com o calor dos seus corpos, para não enregelarem. Mas depressa viram que se estavam a picar e afastaram-se. Quando de novo ficaram com frio e se juntaram, repetiu-se a necessidade de se manterem separados até descobrirem a distância adequada a que se podem tolerar. Assim é na sociedade, onde o vazio e a monotonia fazem com que os homens se aproximem, mas os seus múltiplos defeitos, desagradáveis e repelentes, fazem com que se afastem."
Moral da fábula: "Quem tem muito calor interno prefere manter-se afastado da sociedade para não dar nem receber problemas e aborrecimentos."
Por outras palavras, toleramos a proximidade dos outros só quando é necessário à sobrevivência, evitando-a sempre que possível.