quarta-feira, 22 de julho de 2009

Eugénio de Andrade - poesia


As Amoras

O meu país sabe às amoras bravas
no Verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

«»

Recomecemos então

Recomecemos então, as mãos
palma com palma.
Diz, não digas, a palavra.
As palavras terão sentido ainda?
Haverá outro Verão, outro mar
para as palavras?
Vão de vaga em vaga,
de vaga em vaga vão apagadas.
Seremos nós, tu e eu, as palavras?
Onde nos levam, neste crepúsculo,
assim palma com palma,
de mãos dadas?

«»

Não se aprende

Não se aprende grande coisa com a idade.
Talvez a ser mais simples,
a escrever com menos adjectivos.
Demoro-me a escutar um rumor.
Pode ser o prelúdio tímido ainda
do cantar de um pássaro, uma gota
de água na torneira mal fechada,
a anunciação do tão amado
aroma dos primeiros lilazes.
Seja o que for, é o que me retém
aqui, me sustenta, impede de ser
uma qualquer vibração da cal,
simples acorde solar, um nó
de luz negra prestes a explodir.
.
Eugénio de Andrade

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