sábado, 7 de novembro de 2009

Henri Bergson - Significado da alegria

«Os filósofos que especularam sobre o significado da vida e sobre o destino do homem deram-se conta de que a natureza se encarregou de nos informar sobre isso. Com um sinal preciso adverte-nos quando se alcançou o nosso destino. Esse sinal é a alegria. Digo a alegria, e não o prazer. O prazer é apenas um artifício imaginado pela natureza para obter do ser vivo a conservação da vida; não indica a direcção em que está lançada a vida. Mas a alegria indica sempre que a vida triunfou, que ganhou terreno, que conseguiu uma vitória. Toda a grande alegria tem um acento triunfal. Se tivermos em conta essa indicação e seguirmos essa nova linha de acontecimentos, descobriremos que onde quer que haja alegria há criação; quanto mais rica é a criação, mais profunda é a alegria. A mãe que contempla o seu filho sente-se contente porque tem consciência de tê-lo criado psíquica e moralmente. O comerciante que desenvolve os seus negócios, o chefe de fábrica que vê prosperar a sua indústria, por acaso sentem-se contentes pelo dinheiro que ganham e pela fama que adquirem? Riqueza e consideração contam muito evidentemente na satisfação que sentem, mas proporcionam-lhes prazeres e não tanto alegria, e o que saboreia com autêntica alegria é o sentimento de ter montado uma empresa que tem sucesso, de ter dado vida a algo. Consideremos alegrias excepcionais, como a do artista que realizou o que tinha em mente e a do cientista que descobriu ou inventou algo. Ouve-se dizer que esses homens trabalham pela glória e que a sua maior alegria está na admiração que se lhes tributa. Grande erro! Só se prende aos elogios e às honras quem não está seguro de ter triunfado. No fundo da vaidade há modéstia. Procura-se a aprovação para obter segurança, e para sustentar a vitalidade, talvez insuficiente da própria obra, procura-se rodear esta da cálida admiração dos homens, do mesmo modo que se enrola em algodão uma criança prematura, nascido antes do tempo. Mas o que está seguro, completamente seguro, de ter produzido uma obra viável e duradoura, para esse o elogio não conta para nada, e sente-se acima da glória, porque é criador e sabe-o, e porque a alegria que experimenta com isso é uma alegria divina. Portanto, se em todos os domínios o triunfo da vida é a criação, não deveríamos supor que a vida humana tem a sua razão de ser numa criação, diferente da do artista e da do cientista, porque prossegue em todo o momento e em todos os homens? É a criação de si mesmo por si mesmo, o crescimento da personalidade mediante um esforço que extrai o muito do pouco, que extrai algo do nada, acrescentando sem cessar algo à riqueza que já existia no mundo.
Vista de fora, a natureza aparece como uma imensa eflorescência de novidade imprevisível; a força que a anima parece criar por amor, para nada, por puro prazer, a variedade sem fim das espécies vegetais e animais; a cada uma confere-lhe o valor absoluto de uma grande obra de arte; dir-se-ìa que se consagra tanto à primeira que realizou como às outras, tanto como ao homem. Mas a forma de um ser vivo, uma vez traçada, repete-se indefinidamente; e os actos desse ser vivo, uma vez realizados, tendem a imitar-se a si mesmos e a repetir-se de um modo automático. Automatismo e repetição, que dominam em toda a parte excepto no homem, deveriam advertir-nos que estamos a fazer uma paragem, e que o passo que estamos marcando, sem avançar, não é o movimento próprio da vida. O ponto de vista do artista é importante, mas não é definitivo. A riqueza e a originalidade das formas denotam uma expansão da vida; mas nessa expansão, cuja beleza significa potência, a vida manifesta igualmente uma paragem ou suspensão do seu impulso e uma impotência momentânea para chegar mais longe, como a criança que termina com uma volta graciosa a sua patinagem.»
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Henri Bergson (1859-1941)
Prémio Nobel da Literatura em 1928.
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in La Energía Espiritual, Espasa-Calpe, Madrid, 1982, pp 32-34
(tradução da minha responsabilidade)

8 comentários:

Manuela Freitas disse...

Olá Josefa,
Tenho umas noções básicas de filosofia e li o seu texto sobre Bergson com muito agrado. Agradeço a sua partilha.
Bj.
Manuela

vbm disse...

Ando a ler Bergson. É admirável! Adorava conseguir fazer uma sinopse do seu Matéria e Memória. Ignoro se Bergson deixou discípulos...

Maria Josefa Paias disse...

vbm,
No seu comentário não ficou claro qual a obra de Bergson que está a ler, mas presumo que seja "Matéria e Memória" porque diz que gostaria de fazer a sua sinopse.
No livro "Energia Espiritual" a que pertence o excerto, o capítulo II tem como título "A alma e o corpo", e no capítulo III trata, a certa altura, de "Consciência e materialidade", que talvez tenham pontos de contacto com o que pretende, uma vez que este livro engloba muitas coisas, incluindo conferências que deu.
Um abraço.

vbm disse...

"Matéria e Memória" foi o que li; "A evolução criadora" é o que estou a ler. É sobre as relações do corpo com o "espírito" que Bergson faz observações muito pertinentes para se compreender a vida e a inteligência. Creio que só após cuidadas releituras e trocas de opiniões conseguiria recensear a "Matéria e Memória"! :) Mas são apaixonante as intuições que explora...

partilha de silêncios disse...

Gostava de ler "L'Énergie Spirituelle", venho adiando, obrigada por me trazer de volta essa ideia.
bjs

Maria Josefa Paias disse...

Manuela,
Muito obrigada pelo seu comentário, mas o texto é de Bergson, só o traduzi.
Beijinho

Maria Josefa Paias disse...

partilha de silêncios,
Obrigada pelo comentário.
Força para essa leitura!
Bjs

Maria Josefa Paias disse...

partilha de silêncios,
Obrigada pelo comentário.
Força para essa leitura!
Bjs