Não chega a merecer um poema
Só o poema merece, por vezes,
A inútil tragédia da vida.
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As pessoas caem como folhas
E secam no pó do desalento
Se não as leva consigo
A fúria poética do vento.
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Para que se justifique a nossa vida
É preciso que alguém a invente em nós.
Os que nunca inspiraram um poema
São as únicas pessoas sós.
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in Poesia Completa, O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, D. Quixote, Lisboa, 1999
11 comentários:
Maria Josefa,
"Para que se justifique a nossa vida
É preciso que alguém a invente em nós."
Não será aqui que está a chave do poema ?
Não será esta "invenção em nós", por outrem ou por nós próprios, um grito ao ressurgimento pessoal ?
A Natália Correia, uma mulher cheia de força, incita-nos a fazer uso da nossa própria força e obrigar a que o nosso poema (re)surja.
Um abraço.
Olá Josefa,
Gostei deste poema, da mulher tão polémica que foi Natália Correia. Subscrevo absolutamente o que diz, mas «...quando não inspiramos um poema é que estamos sós...(+ ou-), esta frase poética fez-me lembrar outras palavras similares.
Bjs,
Manuela
Miguel,
A ideia com que fiquei ao ler o poema ia mais no sentido de que tinha de ser algo exterior a nós, por exemplo o amor de alguém por nós, a dar sentido à nossa vida, "que alguém a invente em nós", e não me agradou por aí além a ideia de depender de terceiros o sentido da vida, e nem estou a ver uma Natália Correia, como diz, "uma mulher cheia de força", nessa dependência. Coisas da poesia.
Mas se também não recebermos alguma força, ânimo, amor, de terceiros, então sim, temos de ser nós mesmos a incutir-nos tudo o que for necessário para que a nossa vida faça algum sentido (o que em certos casos é muito difícil), caso contrário os dias serão muito penosos.
Um grande abraço.
Manuela,
Não leve muito a sério essa frase. Já reparou no título do poema "Do dever de deslumbrar"? Deslumbramos, temos um poema? E se nos dedicarem um poema e continuarmos a sentirmo-nos sós?
É apenas liberdade poética.
Bjs
Maria Josefa,
também eu acredito que não podemos viver sobre nós próprios, pois perde-se o sabor da vida: partilhar: alegria, sofrimento, paz, amor, desgosto,...
(desafio completo!!!)
Pois é isso, Maria Josefa.
Embora inicialmente o tenha também lido da mesma forma, foi nos 2 primeiros versos da última estrofe que senti a duplicidade na origem da "invenção", talvez, também, por saber como era a autora.
Talvez, também, por isso, as três linhas do meu post "à cause de", tentativa, não sei se conseguida, de se lutar pelo ressurgimento.
Como sempre, com um abraço.
Paulo Lobato,
Conheço algumas pessoas sozinhas, sem família, sem amigos, ou com família mas que nem notícias dão, e, por isso, é como se a não tivessem. Essas pessoas, o que mais desejariam era "não viverem sobre elas próprias", mas parecem condenadas a não poderem partilhar o que de bom e de mau lhes acontece, e é a elas mesmas que fazem todos os dias a pergunta: qual o sentido da minha vida?. E é na sua resiliência e muitas vezes em pequenas coisas que encontram o ânimo para continuarem.
E agora constato onde nos levou já o poema da Natália Correia.
Um abraço e obrigada.
Miguel,
Fazendo a leitura de outros poemas da Natália Correia onde pudesse encontrar alguma pista para uma melhor compreensão deste, que aliás escolhi precisamente por ser diferente, o que constato é muita duplicidade. Ora se apresenta como a rainha do mundo ora rendida e triste.
Também descobri um dedicado a Alberto Caeiro, heterónimo de Pessoa, que publico um dia destes, para demonstrar como ela fez um esforço para ser sensitiva como Caeiro, com o título "Uma Laranja para Alberto Caeiro", e um outro para Mário Cesariny em resposta a uma frase deste, que talvez publique também. Ainda estou na fase de selecção.
Um grande abraço e obrigada.
Maria Josefa,
Confesso que não tinha pensado nessa perspectiva de uma solidão "imposta"; provavelmente porque me faltariam as palavras.
um abraço,
Não há de facto palavras, Paulo.
É como viver emparedado vivo. Alguns filósofos sentiram o mesmo e construiram as suas teorias nessa base, mas não vou entrar por aí, porque não é de filósofos que estamos a falar.
Um abraço.
Olá, Josefa :)
Gostei muito de ler os problematizantes e elucidativos (também!) comentários. Julgo que a sua interpretação deste poema coincide com o espírito poético e o íntimo sentido da sua autora.
A excelência da poesia, a meu ver, passa pela sua abertura a múltiplas interpretações. Será o caso, e por isso também é que a Natália Correia é uma das minhas poetisas predilectas. Tem muita "garra" nas palavras.
Um abraço
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