quinta-feira, 1 de abril de 2010

Fernando Pessoa/ Ricardo Reis - "O passado é o presente na lembrança"

Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é o presente na lembrança.
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por detrás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui
São sonhos diferentes.
.
Odes/ Ricardo Reis

5 comentários:

Eduardo Miguel Pereira disse...

Muito recentemente li as Odes de Ricardo Reis, onde figura esta que, por sinal, foi das que mais interesse me despertou.
Achei curiosa a coincidência de vir agora vê-la aqui passado tão pouco tempo de a ter lido.

Ana Paula Sena disse...

Magnífico, como todos os da sua selecção, Josefa.

Ricardo Reis foi sempre o meu heterónimo preferido, embora ultimamente prefira a inquietação de Álvaro de Campos. Questão de fases, suponho, e, no fundo, dessa coexistência em nós de estados de espírito díspares.
A serenidade (segundo alguns, mais aparente do que real) de Ricardo Reis continua a fascinar-me pelo seu carácter imperturbável.

Um grande abraço :) E uma Boa Páscoa!

partilha de silêncios disse...

São sonhos diferentes!!

Aproveito para desejar uma Páscoa muito Feliz.

bjs

Maria Josefa Paias disse...

.
Eduardo, Ana Paula e "partilha de silêncios",

Muito obrigada pelos vossos comentários.

Essa do "quem fui e quem sou são sonhos diferentes", é mesmo desarmante!

Páscoa Feliz para todos:))

Rudolfo Wolf disse...

Bom dia, Josefa

Eis um excelente exemplo do filófoso que escolheu a poesia como forma de expressão.

A dialéctica de Heraclito, o nunca nos banharmos duas vezes na mesma água de um rio. A estranheza de um passado em que se foi outro, como a transfiguração do rosto e do corpo bem o ilustra, mesmo que sejamos capazes de encontrar uma espécie de fio condutor entre as idades que vamos tendo, na certeza de se saber que nunca somos um percurso linear, antes trilhos que se vão esgotando e aparecendo como os rios que nos desertos nascem para desaguar em nenhures, em nenhum mar.
Mas também a dor da alma de quem nunca se alcança no que para si sonhou e que nunca se sonha de igual maneira uma e outra vez.

É a multiplicidade da vida. Mas também o génio do Fernando, eco do mundo, dos mundos.

Uma semana de trabalho cheia de paz e com muita saúde, são os meus desejos para si

Rudolfo Wolf