segunda-feira, 2 de julho de 2012

António Feijó - Sol de Inverno


Tenho-a visto passar, cantando, à minha porta,
E às vezes, bruscamente, invadir o meu lar,
Sentar-se à minha mesa, e a sorrir, meia morta,
Deitar-se no meu leito e o meu sono embalar.

Tumultuosa, nos seus caprichos desenvoltos,
Quase meiga, apesar do seu riso constante,
De olhos a arder, lábios em flor, cabelos soltos,
A um tempo é cortesã, deusa ingénua ou bacante...

Quando ela passa, a luz dos seus olhos deslumbra;
Tem como o Sol de Inverno um brilho encantador;
Mas o brilho é fugaz, — cintila na penumbra,
Sem que dele irradie um facho criador.

Quando menos se espera, irrompe de improviso;
Mas foge-nos também com uma presteza igual;
E dela apenas fica um pálido sorriso
Traduzindo o desdém duma ilusão banal.

Onda mansa que só à superfície corre,
Toda a alegria é vã; só a Dor é fecunda!
A Dor é a Inspiração, louro que nunca morre,
Se em nós crava a raiz exaustiva e profunda!

No entanto, eu te saúdo e louvo, hora dourada,
Em que a Alegria vem extinguir, de surpresa,
Como chuva a cair numa planta abrasada,
A fornalha em que a Dor se transmuta em Beleza!

Pensar, é certo, eleva o espírito mais alto;
Sofrer torna melhor o coração; depura
Como um crisol: a chispa irrompe do basalto,
Sai o oiro em fusão da escória mais impura.

A Alegria é falaz; só quem sofre não erra,
Se a Dor o eleva a Deus, na palavra que O louve;
A Alma, na oração, desprende-se da terra;
Jamais o homem é vão diante de Deus que o ouve!

E contudo, — ilusão! — basta que ela sorria,
Basta vê-la de longe, um momento, a acenar,
Vamos logo em tropel, no capricho do dia,
Como ébrios, evoé! atrás dela a cantar!

Mas se ela, de repente, ao nosso olhar se furta,
Todo o seu brilho é pó que anda no sol disperso;
A Alegria perfeita é uma aurora tão curta,
Que mal chega a doirar as cortinas do berço.

Às vezes, essa luz, de tão frágil encanto,
Vem ainda banhar certas horas da Vida,
Como um íris de paz numa névoa de pranto,
Crepitação, fulgor duma estrela perdida.

Então, no resplendor dessa aurora bendita,
Toma corpo a ilusão, e sem ânsias, sem penas,
O espírito remoça, o coração palpita
Seja a nossa alma embora uma saudade apenas!

Mas efémera ou vã, a Alegria... que importa?
Deusa ingénua ou bacante, o seu riso clemente,
Quando, mesmo de longe, ecoa à nossa porta,
Deixa em louco alvoroço o coração da gente!

Momentânea ou falaz, é sempre um dom divino,
Sol que um instante vem a nossa alma aquecer...
Pudesse eu celebrar teu louvor no meu Hino!
Momentâneo, falaz encanto de viver!

O teu sorriso enxuga o pranto que choramos,
E eu não sei traduzir a ventura que exprimes!
Nesta sentimental língua que nós falamos,
Só a Dor e a Paixão têm acordes sublimes!

António Feijó (1859 - 1917)

In Sol de Inverno seguido de vinte poesias inéditas (obra póstuma)

7 comentários:

Hanaé Pais disse...

Adorei, obrigada por me dar a conhecer António Feijó.
E o nosso coração está sempre a tempo de Melhorar, com uma explosão de Sorrisos e Alegria.
E tenha um bom dia!

Maria Josefa Paias disse...

Obrigada eu, Hanaé, pelas suas palavras, neste dia que também desejo que seja bom, porque, diz o calendário, é o do meu aniversário :))

Bom dia e boa semana. Tudo de bom para si!

Hanaé Pais disse...

Parabéns!
Por muitos anos conceda-nos a qualidade dos seus textos.

Gostava mais da foto antiga, chegava a pensar que eram os meus olhos, de tão parecidos serem.

Uma Flor, um Aroma e um raio de Sol para si neste dia.

Hanaé Pais disse...

Parabéns!
Que nos conceda por muitos anos textos com a qualidade sempre manifestada.

Gostava mais da fotografia anterior, chegava a pensar que eram os meus olhos, por de tão parecidos serem.

Uma Flor, um Aroma e um raio de Sol, neste dia que é seu.

Maria Josefa Paias disse...

Muito obrigada pela gentileza, Hanaé! :))

Mudei a foto porque a tinha desde o início dos blogues e, por vezes, é bom variar. Mas em sua honra vou colocar de novo aquele olhinho expressivo, parecido ao seu...

Mar Arável disse...

Sem palavras

para não acordar o silêncio

Bj

Maria Josefa Paias disse...

Schhhhh... :))

Obrigada, Mar Arável. Bj