Viver uma vida desapaixonada e culta, ao relento das ideias,
lendo, sonhando, e pensando em escrever, uma vida suficientemente lenta para
estar sempre à beira do tédio, bastante meditada para se nunca encontrar nele.
Viver essa vida longe das emoções e dos pensamentos, só no pensamento das emoções
e na emoção dos pensamentos. Estagnar ao sol, douradamente, como um lago
obscuro rodeado de flores. Ter, na sombra, aquela fidalguia da individualidade
que consiste em não insistir para nada com a vida. Ser no volteio dos mundos
como uma poeira de flores, que um vento incógnito ergue pelo ar da tarde, e o
torpor do anoitecer deixa baixar no lugar de acaso, indistinta entre coisas
maiores. Ser isto com um conhecimento seguro, nem alegre nem triste,
reconhecido ao sol do seu brilho e às estrelas do seu afastamento. Não ser
mais, não ter mais, não querer mais… A música do faminto, a canção do cego, a
relíquia do viandante incógnito, as passadas no deserto do camelo vazio sem destino…
Fernando Pessoa/
Bernardo Soares, in
Livro do Desassossego
(13/6/1888 – 30/11/1935)
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