tu és a pedra que não tem repouso,
tu és o leproso por todos repudiado,
vagueando em torno da cidade com o chocalho.
.
Porque nada é teu, como o que é do vento,
e a tua glória mal te cobre a nudez;
a roupa usada por um órfão consegue
ser mais deslumbrante e ao menos é sua.
.
És tão pobre como a força de um feto
numa rapariga desejosa de o esconder,
comprimindo o ventre para abafar
o primeiro sopro da sua gravidez.
.
E tu és pobre: como a chuva da Primavera
que cai docemente nos telhados da cidade,
como um desejo que o prisioneiro acalenta
na cela, privado para sempre do mundo.
E como os doentes que, ao mudarem de posição,
são felizes; como flores em carris,
tristemente pobres ao vento louco das viagens;
e como a mão em que se chora, tão pobre...
.
E que são, ao pé de ti, as aves que tremem de frio,
o que é um cão que passa dias sem comer,
o que é, ao pé de ti, o cada um perder-se,
a longa e muda tristeza dos animais
que foram esquecidos prisioneiros?
.
E todos os pobres dos asilos nocturnos,
que são eles ao pé de ti e da tua miséria?
Pequenas pedras apenas, não mós de moinho,
que todavia ainda moem um pouco de pão.
.
Mas tu estás na miséria extrema,
pedinte de rosto escondido;
tu és a grande rosa da pobreza,
a eterna metamorfose
do ouro em luz do sol.
.
Tu és o apátrida furtivo
que não encontrou lugar no mundo:
demasiado grande e pesado para ser usado.
.
Bramas na tempestade. És como a harpa
cujas cordas despedaçam o tocador.
.
in O Livro da Pobreza e da Morte (3.ª parte do Livro de Horas)
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