segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Fernando Pessoa - "O conceito de nós próprios"

«Cada homem, desde que sai da nebulosa da infância e da adolescência, é em grande parte um produto do seu conceito de si mesmo. Pode dizer-se sem exagero mais que verbal, que temos duas espécies de pais: os nossos pais, propriamente ditos, a quem devemos o ser físico e a base hereditária do nosso temperamento; e, depois, o meio em que vivemos, e o conceito que formamos de nós próprios - mãe e pai, por assim dizer, do nosso ser mental definitivo.
Se um homem criar o hábito de se julgar inteligente, não obterá com isso, é certo, um grau de inteligência que não tem; mas fará mais da inteligência que tem do que se se julgar estúpido. E isto, que se dá num caso intelectual, mais marcadamente se dá num caso moral, pois a plasticidade das nossas qualidades morais é muito mais acentuada que a das faculdades da nossa mente.
Ora, ordinariamente, o que é verdade da psicologia individual - abstraindo daqueles fenómenos que são exclusivamente individuais - é também verdade da psicologia colectiva. Uma nação que habitualmente pense mal de si mesma acabará por merecer o conceito de si que anteformou. Envenena-se mentalmente.
O primeiro passo para uma regeneração, económica ou outra, de Portugal é criarmos um estado de espírito de confiança - mais, de certeza, nessa regeneração. Não se diga que os "factos" provam o contrário. Os factos provam o que quer o raciocinador. Nem, propriamente, existem factos, mas apenas impressões nossas, a que damos, por conveniência, aquele nome. Mas haja ou não factos, o que é certo é que não existe ciência social - ou, pelo menos, não existe ainda. E como assim é, tanto podemos crer que nos regeneraremos, como crer o contrário. Se temos, pois, a liberdade de escolha, por que não escolher a atitude mental que nos é mais favorável em vez daquela que nos é menos?»
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de Teoria e Prática do Comércio/Fernando Pessoa

9 comentários:

Benjamina disse...

Olá Josefa

Como sempre, Fernando Pessoa actual e lúcido! Enquanto este povo continuar convencido da sua inferioridade, será difícil melhorar o país... Concordo com F.P.: porque não, então, escolhermos a atitude que nos é mais favorável?

Um excelente ano de 2010!
Beijinhos

Miguel Gomes Coelho disse...

Maria Josefa,
já Pessoa, que morreu em 1935, pregava esta necessidade de regeneração nacional pela positiva.
Que raio de Povo este que 75 anos depois continua com o mesmo defeito ?
E se Pessoa já tinha razão, nos nossos tempos muitos outros têm batido na mesma tecla.Será que este Povo não tem emenda ?
Estar-lhe-à no ADN este permanente decadentismo ?

Gostei muito do texto.
Um abraço.

PS: Não sei se leu um texto de Pessoa no "A Nossa Candeia" sobre "o Metafísico e o Religioso"?

Paulo Lobato disse...

Maria Josefa,
eu gostava de ter uma país que acreditasse nas suas capacidades e que, ao mesmo tempo, olhasse para as suas lacunas como oportunidades de melhoria. Estou certo que o resultado seria proveitoso para todos.
um abraço e um Bom Ano Novo.

Maria Josefa Paias disse...

Benjamina, quando pus os olhos neste texto, e perante as catástrofes diárias desta semana, que poderão acentuar esse modo de ser negativo, achei-o apropriado porque incita à escolha dessa atitude mais favorável.

Para si também, um excelente 2010.
Beijinhos.

Maria Josefa Paias disse...

Miguel,
Esta maneira de ser, de facto, a mim cansa-me.
Em alguns comentários que faço procuro mostrar o lado positivo das situações e do que temos, e há outros que o fazem também. Mas como a comunicação social parece teimar em mostrar apenas o que de pior se passa aqui e no mundo, e como chegam a milhões de pessoas, dá-me a sensação de que ela é muitas vezes responsável por esta negatividade endémica.

Um abraço e um excelente 2010.

P.S. Já fui ler o texto de A Nossa Candeia, mas como a Ana só transcreveu duas ou três frases sem o respectivo contexto, não estou em condições de me pronunciar sobre o mesmo.

Maria Josefa Paias disse...

Eu também gostava, Paulo, pelo menos para não me sentir tão sozinha a tentar mostrar que somos tão capazes como os melhores quando empreendemos algo com seriedade e determinação.
Mas parece que é mais fácil "deitar abaixo" do que acrescentar seja o que for de construtivo ao que é dito ou feito. E esta tendência para "escarafunchar" nas feridas até ao osso em vez de as desinfectar, protegê-las e seguir em frente, também não ajuda nada (e esta metáfora também não é grande coisa, mas não me ocorre outra).
Muito obrigada, Paulo, um abraço e um excelente 2010 para si também.

Guakjas disse...

Excelente!
Mais lúcido e inteligente não pode haver!
Foi escrito em 1900 e troca o passo mas é uma cópia daquilo que se passa hoje!
Muita da mentalidade que vemos por ai ainda é "velha"
Por isso é que as escolas não funcionam, o ensino parece que não prepara ninguém para nada...Culpa de quem? De quem o frequenta e da mentalidade desses mesmos!

Cumprimentos :D

PS: Cara amiga peço desculpa mas acho que num blogue seu (o Restolhando) tratei-a como um senhor...Peço desculpa :S

Guakjas disse...

Mais uma vez volto a referir que o Prós e Contras de ontem foi fantástico!
Obrigatório a ver por todos neste país!

Saudação

Maria Josefa Paias disse...

Guakjas (João Lourenço), achei interessante que tivesse deixado aqui dois comentários que, só aparentemente, são de assuntos diferentes. Por um lado Pessoa incita à escolha da atitude que melhor nos convém para ultrapassar as dificuldades, em vez da lamúria permanente, ou esperar que as coisas se façam sozinhas, como se nada dependesse de cada um de nós e, por outro, no Prós e Contras de 2.ª feira tivemos a demonstração de como isso pode ser feito por cada um de nós em benefício do país.
Obrigada pela visita e um abraço.