Vítor Oliveira Jorge: Perda
«Era uma vez um homem que perdera temporariamente o futuro, de forma tão inesperada quanto a que pode acontecer com as chaves de casa, ou do carro. Mas perder o futuro, mesmo temporariamente, é complicado, porque não se pode obter uma cópia para usar de novo. Não está nos perdidos e achados. Não se pode encontrar facilmente nenhum culpado, nem o próprio, nem os que o agridem, ou foram agredindo, de forma mais ou menos insidiosa. O homem que perde, mesmo que temporariamente, o futuro, fica entregue aos objectos. Estes aparecem-lhe como figuras indecifráveis. Não tem descanso dia e noite, mesmo que conheça e viva intensamente o mais extremo amor e ternura, mesmo que faça tudo para ser feliz, mesmo que tenha momentos extraordinários. Na base, no fundo, ou lá num sítio indefinível como é costume pensá-lo, este homem paira no vazio. Este homem tem um certo medo desse vazio, de não conseguir suportar a ausência de si próprio que o futuro perdido lhe deixou. Este homem está tolhido. Está nu e está pobre, o seu corpo tem momentos de grande veemência, mas outros em que lhe apetecia descansar para sempre. Este homem não sabe o que dizer, parece que tudo o que diz é apenas o eco do que pensou antes, dentro de uma caixa oca. Este homem tem medo do confronto, este homem sem futuro é um menino sem pais. Órfão de si mesmo. E no entanto fascinado e inquieto perante os objectos. Que lhe aparecem por toda a parte, dizendo-lhe: nós somos o passado, um passado onde tu não estiveste. E o homem tem medo, medo de não voltar a sentir-se no presente, pleno e vigoroso, e com um futuro tão certo como as chaves de casa na mão. Medo de se tornar um sem-abrigo, no sentido mais íntimo em que se pode ser um sem-abrigo.
Então o homem que perdeu temporariamente o futuro instou junto de muitos guichets, e entidades, e pessoas: dêem-me por favor um futuro, ajudem-me a reencontrar o meu futuro, um futuro que não tenha nada a ver com este mundo hostil e vazio, com esta realidade cheia de arestas cortantes, com estas funções que se me exigem, com esta alegria que se me espera, com esta normalidade que é suposto ter, com esta vontade de todos os dias ir para o espectáculo da vida e ser um bom actor.
O homem que perdera temporariamente o futuro encostou o rosto à face acolhedora, incondicionalmente acolhedora, e ouviu dizer: protege-me, ajuda-me, sê forte e dá-me um futuro a mim também, estou cansada de não saber bem para onde ir, também eu.
E aquele homem pensou que lhe tinha surgido a primeira e talvez única tarefa verdadeiramente urgente, depois de perder tudo, tudo, e lançou-se com acrescida convicção a essa tarefa, ainda totalmente atordoado, mas com o peito exposto à mão ardente, à sua festa reconfortante, e calçou finalmente as meias e os sapatos para caminhar para o momento seguinte. Amo-te, ouviu dizer ainda. E pareceu-lhe confirmada a tarefa que afinal, quem sabe, o esperava desde que nascera.
voj loures 18.3.2012»
2 comentários:
Excepcional este texto...isto de perder o futuro é complicado!
Beijinho Josefa!
O que fez o homem para perder o futuro?
Aquele "Amo-te", não é o verdadeiro "Amo-te".
É um recurso torpe, é o limbo, é o limiar da solidão.
É o que tem que ser porque tem que ser.
É o aglutinar de dois vazios.
O verdadeiro "Amo-te" é quando existe muitas alternativas e se faz a opção...
A verdadeira opção...
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