
Eis Quina, exemplo de energias humanas que entre si se devoraram e se deram vida. Vaidade e magnífico conteúdo espiritual foram os seus pólos; equilibrando-se entre eles, percorreu um extremo e outro da terra, venceu e foi vencida, sem que, porém, as suas aspirações mais inquietantes deixassem de ser, no seu íntimo, as mesmas formas incompletas, chave da transfiguração que os homens eternamente tentam moldar e se legam de mão em mão, como um segredo e como uma dúvida.
Eis Germa, que, embalando-se na velha rocking-chair, pensa e pressente, sabendo-se actual relicário desse terrível, extenuante legado de aspiração humana. Nas suas veias, estão todos os infinitos estados do passado, no seu cérebro condensaram-se muitas e muitas experiências que não viveu, as negações e afirmações ocupam vastos espaços da sua alma. Ela move-se ritmicamente baloiçando-se naquela sala onde se recolhem em pilhas as maçãs; todo o ar rescende a maçã que suga da própria pele a frescura e dela dessangra o suco que acrescentará a reserva da polpa viva, ainda por todo o Inverno.
Eis Germa, eis a sua vez agora e o tempo de traduzir a voz da sua sibila. Talvez, porém, o seu tempo seja improdutivo e nefasto, e ela fique de facto silenciosa, porque - quem é ela para ser um pouco mais do que Quina e esperar que os tempos novos sejam mais aptos a esclarecer o homem e a trazer-lhe a solução de si próprio? Talvez ela fique de facto imóvel no seu constante, lento ou vertiginoso baloiçar, na casa que fortuitamente habita, e a sua história fique hermeticamente fechada no círculo de aspirações que não conseguiu detalhar e cumprir, porque aconteceu ser cedo ou ser tarde, porque não se compreende ou não se crê o bastante, porque se deseja demasiado e isto é todo o destino, porque... porque...» (16 de Janeiro de 1953)
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Estes são os últimos parágrafos de A Sibila de Agustina Bessa-Luís, o primeiro livro dela que li e de que gostei muito, e que ficam aqui como homenagem enquanto ainda está viva, embora muito doente; estou a começar a ficar cansada de só homenagear alguns dos grandes seres humanos in memoriam, porque ela, a morte, apanha-nos quase sempre desprevenidos.
2 comentários:
Concordo. Custa muito ver desaparecer, tantos entre aqueles que admiramos.
Uma grande escritora. E "A Sibila" também foi o primeiro livro dela que li. Nunca mais o esqueci.
Escrevi um livro sobre a Sibila de Cumas, e creio que é o melhor livro sobre uma Sibila e procuro uma Editora para ele. contato: trinodpava@gmail.com
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