quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Fernando Pessoa/Alberto Caeiro - "A guerra que aflige com os seus esquadrões"

A guerra que aflige com os seus esquadrões o Mundo,
É o tipo perfeito do erro da filosofia.
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A guerra, como tudo humano, quer alterar.
Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito
E alterar depressa.
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Mas a guerra inflige a morte.
E a morte é o desprezo do Universo por nós.
Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa.
Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar.
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Deixemos o Universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs.
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Tudo é orgulho e inconsciência.
Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto.
Para o coração e o comandante dos esquadrões
Regressa aos bocados o Universo exterior.
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A química directa da Natureza
Não deixa lugar vago para o pensamento.
A humanidade é uma revolta de escravos.
A humanidade é um governo usurpado pelo povo.
Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito.
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Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural!
Paz a todas as coisas pré-humanas, mesmo no homem,
Paz à essência inteiramente exterior do Universo!
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de Poemas Inconjuntos/Alberto Caeiro

11 comentários:

Ana Paula Sena disse...

Lindíssimo, de infinita sabedoria e profundidade.

De resto, é uma questão que muito me inquieta: a das guerras e sua (im)possível legitimidade.

Às vezes interrogo-me: fará parte do ser humano, um ímpeto guerreiro? A leitura de Konrad Lorenz, por ex., impressionou-me. Do seu ponto de vista, é algo que faz parte de nós, biologicamente considerados. Temos que conviver com isso. Mas é também ele que afirma ser necessário aprender a gerir tais impulsos agressivos. Aprender... Portanto, algo que se adquire. Algo do domínio civilizacional.

É um tema interessantíssimo. Estou certa de que Alberto Caeiro era tão sábio na sua serenidade e simplicidade... que tudo isto intuiu discretamente.

Obrigada, Josefa. E um beijinho amigo :)

Benjamina disse...

Olá Josefa
A guerra afligiu, aflige e afligirá sempre, ao Fernando Pessoa, a si e a mim, e a muita gente que não a entende.
Talvez alguns a queiram e prefiram como resposta à humilhação e exploração, será assim legítima?
Mas parece-me que o que mais provoca as estúpidas guerras é o dinheiro e a religião...
Um beijo

Miguel Gomes Coelho disse...

Maria Josefa,
Afinal os neuróniozinhos continuam afinados, salpicados aqui e ali com boa música. Folgo muito que assim seja.
Quanto ao "Mestre", este poema é um libelo acusatório da estupidez e da cobiça.
Felizmente há um Albero Caeiro, homem simples, sincero, adorador do universo pagão da Natureza.
PS:
Meti-me por caminhos em que até hoje me desconhecia. Espero não estar errado. Mas é o que sinto.
Um abraço.

Eduardo Miguel Pereira disse...

De tão inteligente e sensível que era, Fernado Pessoa acabou por ser vítima de si mesmo, da sua inquietação e da capacidade de ver mais longe do que a vista alcança.
Que brilhante que foi, e que continua a ser !

Maria Josefa Paias disse...

Ana Paula, não sei se se está a referir à obra "O Homem Ameaçado" de Konrad Lorenz, onde ele também diz, a certa altura: «A enorme rapidez desse crescimento transformou verdadeiramente o espírito em "adversário da alma". O espírito humano criou relações às quais o posicionamento natural do homem já não consegue dar resposta. Normas de comportamento tanto culturais como "instintivas", geneticamente programadas, que num passado histórico recente ainda podiam ser consideradas como virtudes, conduzem à perdição nas circunstâncias actuais.»
E mais adiante: «O que sucederá ao homem no futuro, é perfeitamente imprevisível; isso será determinado por operações que se desenrolam exclusivamente no próprio homem. Todos os factores externos, que conduzem a uma evolução criativa de tipo genético ou cultural, foram anuladas. Se a humanidade se vai tornar numa comunidade de seres verdadeiramente humanos ou numa organização rígida de seres inumanos, colocados sob tutela, isso dependerá exclusivamente do facto de nós nos deixarmos conduzir pelos nossos sentimentos de valor não racionais. Se os quisermos tomar a sério e prestar-lhes obediência, enquanto imperativos categóricos, teremos primeiro de estar convencidos da sua realidade.»
Daqui podemos tirar a ideia de que os valores guerreiros de outrora, por razões de sobrevivência, estão ultrapassados, e que os valores pedagógicos, de cultura, de racionalidade, poderão conduzir o homem a uma melhor gestão desses "impulsos", ou "instintos" como diz Konrad, e isso tem que se operar no interior do próprio homem para que possa existir uma comunidade de seres verdadeiramente humanos.
Talvez fosse isto que Alberto Caeiro intuiu e que a seu ver se conseguirá numa maior proximidade do homem à Natureza.
Obrigada e beijinho:))

Maria Josefa Paias disse...

Benjamina, nestas últimas décadas realmente aparecem-nos os negócios de armamento (dinheiro) e as convicções religiosas, em separado ou conjuntamente, não esquecendo o negócio de drogas (novamente o dinheiro), na maioria dos conflitos armados, e não consigo descortinar nelas qualquer legitimidade.
Beijinho.

Maria Josefa Paias disse...

Miguel, muito obrigada em nome dos meus neuroniozinhos.
Os caminhos dos diversos saberes são sempre enriquecedores, portanto vá em frente!
Um abraço.

Maria Josefa Paias disse...

Eduardo,
Um homem que viveu apenas 47 anos e nos deixou as obras que já conhecemos e o que ainda está a ser organizado, multiplicado por diversas sensibilidades conforme os heterónimos de que apenas conhecemos meia dúzia (porque são muitos mais), é de facto admirável e continua a sê-lo.
Muito obrigada e um abraço.

Maria Josefa Paias disse...

Peço a todos que me desculpem por só agora responder aos vossos comentários, mas nestes últimos dias tenho tido muito que fazer no exterior, longe deste computador dedicado aos assuntos particulares, o que também me tem impedido de visitar e comentar os vossos blogues.
Conto com a vossa compreensão :))
Abraços.

Ana Paula Sena disse...

Josefa, muito obrigada pela sua resposta :) com a qual nos trouxe excelentes passagens de K. Lorenz, um autor que considero muito interessante.

Na verdade, tinha em mente "A Agressão - Uma História Natural do Mal". Mas " O Homem Ameaçado" realça as mesmas ideias. Na verdade, tudo dependerá muito mais de nós, no futuro da humanidade.

Beijinhos :))

Manuela Freitas disse...

Olá Josefa,
Gostei de ler este poema de Caeiro e que toca bem no cerne da questão.
Gostei também muito de ler os comentários, complementos de muito interesse.
A minha área não é a filosofia, é a história, embora haja uma aproximação superficial à filosofia. O que se aprende em história é que tudo pode mudar, mas a condição do homem é a mesma, instintivamente é belicoso, ambicioso, invejoso...por isso os conflitos, as guerras acabam sempre por existir.
Como sou absolutamente anti-guerra, gostaria que independentemente dos negócios, que também estão presentes, racionalmente o vector de partida fosse: a guerra é só destruição, nunca construção de nada.
Bjs,
Manuela