domingo, 23 de agosto de 2009

Miguel de Unamuno: "A guerra é, no seu mais estrito sentido, a santificação do homicídio"


«(...) Há muito mais humanidade na guerra do que na paz. A não resistência ao mal implica resistência ao bem, e mesmo fora da defensiva, a própria ofensiva é, porventura, o que há de mais divino na Humanidade. A guerra é escola de fraternidade e laço de amor; é a guerra que, pelo choque e pela mútua agressão, tem posto em contacto os povos, e os tem levado a conhecer-se e a amar-se. O mais puro e mais fecundo abraço de amor que os homens se dão entre si é aquele que, no campo de batalha, se dão o vencedor e o vencido. E até mesmo o ódio depurado, que surge da guerra, é fecundo. A guerra é, no seu mais estrito sentido, a santificação do homicídio. Caim redime-se como general de exércitos. E, se Caim não tivesse matado seu irmão Abel, teria sido morto por este. Deus revelou-se principalmente na guerra; começou por ser o deus dos exércitos, e um dos maiores serviços da cruz é o de defender, na espada, a mão que a segura e brande.
Caim, o fratricida, foi o fundador do Estado, dizem os inimigos deste. E há que aceitá-lo e considerá-lo, em glória do Estado, filho da guerra. A civilização começou no dia em que um homem, sujeitando a outrem, e obrigando-o a trabalhar para os dois, pôde dar-se à contemplação do mundo, e obrigar o seu súbdito a trabalhos de luxo. Foi a escravatura que permitiu a Platão especular sobre a república ideal, e foi a guerra que consigo trouxe a escravatura. Não é em vão que Atena é a deusa da guerra e da ciência. Mas será preciso repetir, mais uma vez, estas verdades tão óbvias, mil vezes desprezadas e mil vezes renascidas?
O preceito supremo que ressalta do amor a Deus, base de toda a moral é este: entrega-te inteiramente, dá o teu espírito para o salvar, para o eternizar. Tal o sacrifício da vida.
E entregar-se implica, há que repeti-lo, impor-se. A verdadeira moral religiosa é, no fundo, agressiva, invasora.
O indivíduo, como indivíduo, o miserável indivíduo que vive preso ao instinto de conservação e dos sentidos, só pretende conservar-se, e toda a sua mania é não deixar penetrar ninguém na sua esfera, não consentir que o incomodem, que lhe importunem o descanso; em troca do que, ou para dar um exemplo e uma regra, ele renuncia a penetrar nos outros, a importunar o descanso deles, a apoderar-se deles. O «não faças a outrem o que não queres que te façam» tradu-lo ele assim: não me meto com os outros, os outros que não se metam comigo. Ele se amesquinha, e se torna sombrio, nesta avareza espiritual e nesta moral repulsiva do individualismo anárquico: cada um para si.»
Guernica de Picasso
.
in Do Sentimento Trágico da Vida, pp 204/205.


1 comentário:

Francisco Castelo Branco disse...

Olá

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